Especial para o blog saudeglobal.org
Paris e a França estão mais pobres. Uma pobreza que jamais poderá ser substituída por aquilo que o dinheiro ilusoriamente poderá comprar ou que políticas sociais poderão fazer para melhorar as condições de vida materiais das pessoas. É uma pobreza espiritual, um tiro certeiro em fontes de criatividade e de pulsão de vida que não andam separadas do exercício da liberdade de pensamento e da ousadia em criticar agudamente toda a forma de poder. Pontos luminosos que dedicaram a existência em demarcar, por meio da arte inteligente, sofisticada e atenta, as virtudes e defeitos da trajetória humana e a linha tênue que os separa e sobre a qual todos nós caminhamos.
Ainda há uma geração de europeus que conheceram o quanto ment
es de pessoas como as que ontem foram abatidas pelos atos de violência e que fazem diferença para compreender e transformar o mundo em algo melhor, fazem falta. Caso elas tivessem sobrevivido aos horrores das duas guerras do Século XX quanto mais a humanidade teria ganho e evoluído? Esse é a questão fundamental que deve ser feita por cada um de nós com a tragédia do Charlie Hebdo.

Não há nada pior, na perspectiva da existência individual do que ser derrubado em pleno vôo. Não há nada pior para a família e para os amigos. Mas do ponto de vista da sociedade há também uma geração de pessoas que firmaram suas concepções políticas a partir da verve refinada dos cartunistas que ontem se foram.

Ontem ouvi de um colega francês: “Cabu, Wolinski, Charb,…leurs dessins nous accompagnent depuis tellement longtemps….” O que fica é um vazio para o futuro por aquilo que seria possibilidade e que a morte trágica impossibilita.
O céu parisiense, nesse período de inverno, tem se mantido permanentemente cinza. Para nós brasileiros que vivemos aqui, acostumados ao colorido do nosso clima tropical, ele faz falta. Mas essa falta de luminosidade natural é compensada pela forma de viver desse povo inteligente, bem formado politicamente e que sabe dar à liberdade o seu lugar fundamental no seu modo de viver. Paris tem o colorido do plural, da diversidade, da mistura das línguas e de modos de ser.


Jânia Maria Lopes Saldanha é Professora da Universidade Federal de Santa Maria, atualmente em Pós-Doutorado (CAPES) junto ao IHEJ – Institut des Hautes Études sur la Justice e a Universidade de Paris II
Imagens: Jânia Saldanha [Centro Perelman de Philosophie du Droit]; capa do Charlie Hebdo de 01/11/2011; montagem com fotos, em sentido horário, de Charb, Wolinski, Cabu e Tignous, assassinados ontem; fotos da manifestação na Praça da República em 07/01/2015 [Le Monde]